2007-09-19

A linguagem em crianças do 1º Ciclo: contributos para a modificabilidade cognitiva

João Pereira (*)

Introdução

A linguagem (oral e escrita) em crianças do 1º ciclo do ensino básico, objecto do Programa Nacional de Ensino do Português – PNEP, vem proporcionar a oportunidade de uma verdadeira mudança no ensino e na atitude dos professores para que as crianças criem, através de actividades, estruturas cognitivas mais adequadas, mais complexas e mais flexíveis.
Esta oportunidade, capaz de interferir no desenvolvimento cognitivo do indivíduo, proporciona um aumento do potencial de aprendizagem que se poderá materializar numa capacidade de aprender a aprender, tão necessária nos nossos dias, plena era da informação, onde aprender a aprender se torna uma sobrevivência estratégica. A presente temática, A linguagem (oral e escrita) em crianças do 1º ciclo: contributos para a modificabilidade cognitiva, é desenvolvida de acordo com as seguintes reflexões:

O nível cognitivo, ou seja, o processo e produto da actividade do cérebro e da sua interacção com o envolvimento ecológico, está na origem da adaptabilidade e da aprendizagem que caracteriza a espécie humana, sem as quais a civilização não se poderia conceber, explicar e transformar. Porém, a aprendizagem humana e linguagem encontram-se intrinsecamente associadas. A linguagem exige a integridade de certas zonas ou áreas do cérebro consideradas cruciais para a hierarquia das suas estruturas, principalmente quando se passa da evolução da aprendizagem da linguagem falada à aprendizagem da linguagem escrita. Independentemente do nível cognitivo de cada indivíduo, é possível interferir no seu potencial de aprendizagem que está na base do processo de aprendizagem, sendo este o objectivo da nossa primeira abordagem, a capacidade de aprender a aprender – Capítulo I.

Através de metodologias de ensino­/aprendizagem activas e assentes na manipulação de materiais e objectos, bem como pela aplicação de métodos da descoberta e através do confronto de pontos de vista diferentes, é possível proporcionar à criança um maior desenvolvimento cogniti­vo e rendimento escolar, factores importantes do seu desenvolvimento global e harmonioso, tal como é reforçado em abordagens da psicologia do desenvolvimento, da psicologia cognitiva da informação, da neuropsicologia ou ainda pela abordagem desenvolvimental. Será esta a temática que continuaremos a perseguir, as abordagens ao desenvolvimento cognitivo – Capítulo II.

Segundo a teoria cognitivista, o desenvolvimento linguístico depende do desenvolvimento cognitivo. A linguagem é um instrumento do pensamento. Este, tem início antes do aparecimento da própria linguagem, ou seja, desde que a criança constrói representações internas do real. Mais tarde, com o domínio dos sons da fala contempla dois grandes aspectos: a discriminação auditiva – capacidade de ouvir e reconhecer os diferen­tes sons da linguagem, no que respeita aos aspectos segmentais e prosódicos; e a articulação – produção de sons e cadeias de sons da fala e as suas carac­terísticas prosódicas, como variações de intensidade, de tom, de duração e ritmo da fala. Na mestria de qualquer língua as palavras são imprescindíveis mas o cerne da construção frásica assenta na organização das palavras entre si, a qual é regulada por um conjunto finito de regras que possibilita uma produção infinita de enunciados. A criança continua a aprender palavras, mas agora emparelhando uma sequência fónica específica com um significado preciso. O significado da palavra só ganha existência na mente da criança falante de uma determinada língua, não no mundo dos objectos. A palavra é um símbolo que representa uma realidade e, como tal, simbólica a relação entre a palavra e a realidade a que se refere, quer ela seja­ o conceito ou apenas uma entidade desse conceito. Neste processo, torna-se necessário na sala de aula dar ênfase à comunicação, necessidade do ser humano que, programado para adquirir linguagem, acede à mestria linguística mediado pela interacção adulto/criança. A apropriação das regras de uso da língua é a base da competência comunicativa e o processo a ela conducente é gradual e progressivo. Será pois este processo, o desenvolvimento cognitivo e a linguagem, que abordaremos no Capítulo III.

Finalmente, consideramos que o Programa Nacional do Ensino do Português vem propor a implementação de actividades e procedimentos na sala de aula capazes de provocar verdadeiras coordenações interindividuais que sejam fonte de desenvolvimento cognitivo da criança. Numa escola onde a diversidade e a heterogeneidade dos alunos é uma constante, tal modelo constitui um desafio para todos os profissionais de educação. Ao colocar a ênfase no oral como ponto fulcral do desenvolvimento da linguagem (oral e escrita), pretende-se atribuir à criança o papel central no processo de ensino/aprendizagem. No entanto, somos de opinião que tal só será possível em modelos de organização da sala de aula possíveis de implementar um trabalho em cooperação, por permitirem níveis mais elevados de interacção entre os alunos e entre professor e alunos, constituindo-se como factores de aprendizagem e desenvolvimento e mobilizando importantes mecanismos de auto-regulação e hetero-regulação em que a linguagem desempenha um papel fundamental. Durante o processo de aprendizagem, nem todos os alunos elegem e utilizam sequências integradas de procedimentos ou actividades de nível superior que facilitam a aquisição, manipulação, integração, armazenamento e evocação da informação nas diferentes situações e contextos. Estes procedimentos, ou estratégias cognitivas e metacognitivas, são acções de carácter intencional, da iniciativa do aluno, por si planeadas, permitindo tomar decisões adequadas, no momento oportuno, em relação à aprendizagem, estratégias que deverão ser objecto de ensino/aprendizagem. PNEP - um percurso para a modificabilidade cognitiva, será pois a abordagem do Capítulo IV.

I – A capacidade de aprender a aprender

1.1 – A modificabilidade cognitiva

Nos nossos dias, em plena era da informação, a questão da educabilidade cognitiva assume um papel de sobrevivência estratégica no contexto de uma sociedade de aprendizagem onde a adaptação à mudança é abrupta e a emergência de novas tecnologias profusamente acelerada e imprevisível. Quanto melhor conhecermos o que é a cogni­ção, ou seja, o acto de conhecer ou captar, integrar, elaborar e expri­mir informação, tanto melhor encontraremos soluções para resolver os problemas actuais. A existência de problemas explica a própria essência da adap­tação do indivíduo ao seu contexto sociocultural (Fonseca, 1996).

Segundo o autor, como seres humanos, somos organismos complexos, cuja evolução e ontogénese retrata uma interacção multifacetada entre o corpo, o cérebro e os vários ecossistemas (família, creche, escola, emprego, co­munidade, etc.), e é dessa interacção que ocorre o desenvolvimento cog­nitivo por meio do qual nos adaptamos ao meio exterior que nos envolve e o transformamos à nossa medida. A cognição, como processo e produto da actividade do cérebro e da sua interacção com o envolvimento ecológico, está na origem da adaptabilidade e da aprendizagem que caracteriza a espécie humana, sem as quais a civilização não se poderia conceber, explicar e transformar.

A educabilidade cognitiva emerge da concepção da modificabilidade cognitiva estrutural introduzida pelo psicólogo israelita Reuven Feuer­stein que concebe a inteligência humana como uma construção dinâmica, flexível e modificável, que está na base da adaptabi­lidade da espécie ao longo do seu percurso histórico-social. O desenvolvimento da inteligência e da cognição é perspectivado como o resultado da interacção entre as gerações. A aprendizagem é assim entendida como uma mudança de comporta­mento provocada pela experiência de outro ser humano, e não meramen­te pela experiência própria e prática em si, ou pela repetição ou associação automática de estímulos e respostas (Cruz & Fonseca, 2002).

A aprendizagem humana é possível pela acção de um mediador que se interpõe entre os estímulos e o organismo para captar da mente do mediatizado as significações interiorizadas que advêm da própria expe­riência de aprendizagem, para provocar nele estados de alerta, de processa­mento, de planificação e de transcendência, mudanças e arranjos de infor­mação autónomos, modulando o tempo, o espaço e a intensidade dos estímulos, humanizando-os e conferindo-lhes significação, como instru­mentos mais aptos e flexíveis para produzirem soluções.

A adaptação às novas condições de produtividade e de qualidade, depende inevitavelmente do seu potencial cognitivo e da educação cognitiva a que tiverem estado independentemente do seu percurso educacional ou social desfavorecido. A modificabilidade cognitiva pode atingir-se mesmo quando as expecta­tivas são passivas ou negativas e mesmo quando se tendem a colocar obstáculos ou juízos precipitados sobre o potencial de aprendizagem do indivíduo. O funcionamento cognitivo baixo, o fraco rendimento escolar ou a baixa qualificação, em grupos desfavorecidos, não é sinónimo de uma cultura inferior. A sua cultura pode até ser muito rica e, em contrapartida, o seu aproveitamento escolar ser muito baixo, com altas percentagens de insucesso escolar e múltiplas dificuldades na aprendiza­gem, que tendem a multiplicar-se em problemas de inadaptação social crescentes. Quando abandonam a escola, por vezes de forma prematura, muitos jovens não têm qualificações mínimas de transição para o trabalho, por­que a escola não ofereceu oportunidades para desenvolver o seu potencial cognitivo e, em consequência disso, perpetuam no trabalho o insucesso e a desvantagem que a escola produziu. Os graves problemas do insucesso escolar, e tudo o que lhe está inerente, podem ser estrategicamente contra­riados pela educabilidade cognitiva, que pode oferecer um conjunto de métodos de intervenção psicopedagógica que eficazmente combate tal flagelo da escola e da sociedade actual.

A sociedade do futuro, uma sociedade cada vez mais virada para a aprendizagem, para as tecnologias de informação e para a acelerada divul­gação de conhecimentos científicos, não pode limitar-se a uma escola baseada na transmissão directa e pura de conteúdos e de soluções especí­ficas, mas deverá orientar-se para o desenvolvimento do indivíduo em todas as suas manifestações, para o acesso à cultura geral e neste sentido a educabilidade cognitiva é uma abordagem extremamente potente para atingir estes objectivos de forma integrada, na medida em que fornece os pré-requisitos, as ferramentas, as destrezas e as competências cognitivas fundamentais de processamento de informação e de interpretação da realidade, necessárias para aprendizagens posteriores. O futuro da humanidade só pode materializar-se numa capacidade de aprender a aprender.

1.2 – A aprendizagem da leitura/escrita no desenvolvimento cognitivo

A aprendizagem humana e linguagem encontram-se intrinsecamente associadas. Contudo, a linguagem exige a integridade de certas zonas ou áreas do cérebro consideradas cruciais para a hierarquia das suas estruturas, principalmente quando se passa da evolução da aprendizagem da linguagem falada à aprendizagem da linguagem escrita (Fonseca, 1999).

Segundo o autor, o cérebro opera como um órgão total dinâmico onde algumas áreas par­ticipam mais activamente do que outras, quando estão em jogo funções mais complexas da linguagem, como é o caso da leitura ou da escrita. De uma globalidade dinâmica emerge uma especificidade, ou seja, resultam funções que dependem mais directamente de áreas corticais localizadas. Por exemplo, se a área de Wernicke (córtex temporal posterior) for lesada num adulto no seu hemisfério dominante, é quase certo que surgirá uma redução na sua capacidade de compreensão e utilização da linguagem. Portanto, o cérebro está estruturado em áreas especializadas e em áreas difusas que regulam e controlam diferentes aspectos do comportamento.

Algumas lesões localizadas produzem efeitos específicos em termos de comportamento; outras funções mentais, por contraste, são afectadas por qualquer lesão em ambos os hemisférios, seja por simples anormalidades electrofisiológicas, por infecções cerebrais, por doenças neurodegenerati­vas, seja ainda por lesões bilaterais congénitas, por traumas, etc., que podem ter ocorrido no período pré-natal, no processo do nascimento ou durante o desenvolvimento.

A aprendizagem humana exige um conjunto mínimo de requisitos que podemos traduzir por uma totalidade funcional neuropsicológica. Sem esse número de condições funcionais indispensáveis, a aprendizagem não se processa normalmente e, neste caso, estamos em presença de uma disfunção cerebral. Esta, aparente ou real, nalgumas crianças com dificuldades de aprendizagem (disléxicas), interfere com todo o processamento da informação que a aprendizagem envolve. Processo de informação que compreende três grandes componentes e subprocessos: recepção, integração e expressão. No caso da disfunção cerebral que reflecte as dificuldades de aprendizagem, podemos verificar alterações em cada uma destas fases ou, eventualmente, na transformação de umas nas outras. A disfunção pode ocorrer na recepção (p. exp., problemas de aten­ção e processamento perceptivo e de captação de informação), na integração (problemas de ordenação, sequencialização, associação, con­ceptualização planificação e execução) ou, evidentemente, na transferência ou tradução (transdução) de uns processos noutros. Quer dizer, a disfunção pode ocorrer numa ou em várias unidades funcionais do cérebro. Quais serão essas unidades?

Para Lúria, o cérebro é uma constelação de trabalho, prin­cipalmente concentrada em três grandes unidades (blocos) funcionais. Tais unidades compreendem sistemas, estruturas anatómicas, e concomitantes recursos terapêuticos e reeducativos. O cérebro pode ser dividido em três blocos funcionais básicos: o primeiro bloco funcional, que inclui o tronco cerebral e o sistema límbico, garante o tónus adequado às funções de atenção e vigilância e o controlo da informação proprio­ceptiva; o segundo bloco funcional, que inclui as partes posteriores dos hemisférios cerebrais, garante as funções receptivas e de armazenamento da informação exteroceptiva e propriocep­tiva (visão, audição e tactiloquinestésica) a que correspon­dem as funções elementares do processo cognitivo; o terceiro bloco funcional, que inclui as partes anteriores dos hemisférios cerebrais, garante a programação, a regu­lação e o controlo das acções humanas, para além das funções eferentes que permitem a execução dos comporta­mentos de acordo com os fins e motivos consciencializados.

Cada um destes blocos actua especificamente mas em coordenação sisté­mica, quer no sentido ascendente (recepção da informação, input), quer no sentido descendente (expressão da informação, output) e em todas as manifes­tações comportamentais, nomeadamente na linguagem e no envolvimento intencional voluntário. Cada unidade funcional compreende, portanto, um conjunto de órgãos ou de áreas corticais que, em termos intra e interdependentes, constituem o grande sistema neuropsicológico da aprendizagem humana. De certa forma, a aprendizagem é o fruto do desenvolvimento destas unidades funcionais que, segundo Lúria, estão organizadas verticalmente e organizam-se geneticamente do primeiro bloco (reflexos) ao terceiro bloco (intenções), passando pelo segundo bloco (experiências e acções multissen­soriais). Assim, p. exp., as aprendizagens complexas como a leitura assentam sobre aprendizagens compostas como a discriminação e a identifi­cação perceptiva, que por sua vez decorrem de aprendizagens simples, como a aquisição da postura bípede e as aquisições preensivas da primeira idade.

Vejamos, no caso da leitura oral, como as unidades trabalham. A leitura, um dos processos mais complexos da aprendizagem, compre­ende a discriminação visual de símbolos gráficos (optemas) através de um processo de descodificação que se passa no segundo bloco, só possível com um processo de atenção selectiva regulado pelo primeiro bloco. Poste­riormente, e ainda na mesma unidade, há que seleccionar e identificar os equivalentes auditivos (fonemas) através de um processo de análise e trans­dução, de síntese e comparação, a fim de edificar a busca da significação (conjectura) e avaliar os níveis de compreensão latentes. A partir daqui, sur­girá uma nova operação de equivalência que compreende a codificação e regulada na área de Broca, isto é, no terceiro bloco. A partir dos neurónios superiores frontais, a lin­guagem interior transformar-se-á em linguagem expressiva, através da orali­dade, ou seja, da produção de sons articulados.

Nesta sequência de operações cognitivas participam todas as unidades funcionais, primeiro de baixo para cima (do primeiro ao terceiro bloco) e depois de cima para baixo (do terceiro bloco para o primeiro bloco). É este processo funcional que caracteriza a aprendizagem da leitura. É dentro deste conjunto funcional que se pode verificar um distúrbio ou uma disfunção neuropsicológica que pode, por consequência, redundar em dificuldade de aprendizagem.

Evidentemente que os dois hemisférios interagem entre si. Sperry (1968), cit. Fonseca (1999), demonstrou que o hemisfério direito está apto a compreender informações verbais e não verbais, embora impossibilitado de as expressar verbalmente. Sabe-se igualmente que os dois hemisférios sofrem processos de maturação diferenciados, primeiro o hemisfério direito, depois o hemis­fério esquerdo. Vallet (1980), cit. Fonseca (1999), foca que essa diferença é pouco significativa até aos cinco/seis anos (entrada para a escola), mas assume uma especialização acelerada a partir desta idade. Neste bloco situam-se as funções de codificação, armazenamento e in­tegração da informação sensorial (visual, auditiva e tactiloquinestésica) e perceptiva, ou seja, o processamento dos estímulos.

O potencial de aprendizagem de todas as crianças, bem como a educação perceptiva e cog­nitiva, psicomotora, orientadas à luz dos conhecimentos neuropsicológicos, podem produzir modificações no conhecimento e na aprendizagem humanos (Feuerstein, 1981), cit. Fonseca (1999). De facto, a estimulação mediatizada produz modificações entre o axónio de um neurónio e os dentrites do neurónio seguinte, por meio de uma fa­cilitação sináptica e bioquímica e de um alongamento das fibras nervosas, originando assim, a integração neurológica (Hebb, 1976), cit. Fonseca (1999), que está na base do processo de aprendizagem. O desenvolvimento da cognição é conseguido na base de mo­dificações metabólicas e de redes neuronais que se complexificam sequen­cialmente. A estimulação, ou melhor, a educação, introduz efectivamente variáveis neuropsicológicas que iniciam actividades centrais complexas no cérebro e implicam transformações corticais, aperfeiçoadoras dos padrões de comunicação e de expressão linguísticos. As conexões neurológicas desenvolvem-se como consequência da apren­dizagem. A aprendizagem e o seu constante e sistemático reforço produzem padrões de organização neurológica e sistemas de interacção e facilitação sináptica (Eccles, 1967), cit. Fonseca (1999). É, pois, necessário colocar a criança no centro da acção.

II – Abordagens ao desenvolvimento cognitivo

Embora os progressos da ciên­cia e da tecnologia sejam cada vez mais rápidos e consideráveis, nestes últimos anos tem-se assistido a uma escalada do sentimento de insegurança em rela­ção e eles. A evolução a que temos assistido implica o desaparecimento de tra­balhos rotineiros e repetitivos e exigem que a aprendizagem e o trabalho sejam cada vez mais construídos por tarefas intelectuais que exigem espírito de inicia­tiva e adaptação (Cruz, 1999; Fonseca, 1999). Esta sociedade em mudança tem necessidade de aceder à informação, de modificar competências, evoluir na incerteza, melhorar continuamente, tem que investir na inteligência. Os analfabe­tos dos próximos tempos serão aqueles que se recusam a aprender (Alvin Toffer, cit. Cruz (1999).

É necessário aprender a aprender. A escola terá de proporcionar aos alunos um desenvolvi­mento cognitivo, uma melhor aprendizagem (Cruz & Fonseca, 2002).

2.1 - A psicologia do desenvolvimento

Muitas crianças do 1.º ciclo do ensino básico apresentam dificuldades na interiorização e aquisição de certas noções e revelam acentuadas dificuldades na ordenação dessas mesmas aprendizagens (Sousa 1993, 1995; Dolle & Bellano, 1993; Dolle, 1999; Perret-Clermont, 1995). Através de metodologias de ensino­/aprendizagem activas e assentes na manipulação de materiais e objectos, bem como pela aplicação de métodos da descoberta e através do confronto de pontos de vista diferentes (conflito socio­cognitivo), é possível proporcionar à criança um maior desenvolvimento cogniti­vo e rendimento escolar, factores importantes do seu desenvolvimento global e harmonioso (Sousa, 1993; Fonseca, 1998; Cruz, 1999). Tal pensamento é ainda reforçado nas seguintes referências teóricas:

Piaget (1973, 1976) estudou o desenvolvimento cognitivo. A inteligência é vista como um fenómeno em desenvolvimento, dependendo esse processo de três facto­res: a maturação do sistema nervoso; a interacção com o exterior; a equilibração. Torna-se, portanto, necessário estimular e promover este desen­volvimento (Sousa, 1993; Fonseca, 1998).

Vigotsky (1963) desenvolveu a ideia da zona desenvolvimental potencial. O ní­vel de desenvolvimento actual procura atingir em cada indivíduo a zona de des­envolvimento proximal, ou seja, a distância entre o nível de desenvolvimento actual determinado pela capacidade de resolver independentemente um pro­blema e o nível de desenvolvimento determinado pela resolução de um proble­ma orientado por um mediador ou um colaborador mais capaz. Assim, o cur­rículo deve ter em conta não só o que a criança é actualmente, mas o que ela potencialmente pode ser. É de realçar que, segundo Vygotsky, a aprendizagem só se produz quando os instrumentos, os sinais e os símbolos são interioriza­dos pela criança em função, precisamente, do seu grau de desenvolvimento anterior (Sousa, 1993; Fonseca, 1998; Cruz, 1999). Para Vygotsky, (cit. Fonseca, 1998), o desenvolvimento cognitivo resul­ta da interacção mútua entre a criança e as pessoas com quem mantém contac­tos sociais regulares. Atribuindo maior importância ao desenvolvimento intelec­tual do que à aprendizagem processual, considera que o professor deve orien­tar os alunos para que prestem atenção, se concentrem e aprendam com eficá­cia, criando os alicerces para que o aluno possa atingir a competência em qual­quer tarefa. Enquanto Piaget incidiu sobre a criança, Vygotsky deu maior ênfa­se ao professor. Este deve desafiar a criança a alcançar metas que de outra maneira não atingiria (a zona de desenvolvimento proximal). Atribui ainda signi­ficado ao relacionamento da criança com os seus colegas de turma. Defende a utilização de uma criança mais desenvolvida para ajudar uma outra menos de­senvolta argumentando que ao explicar e ajudar a outra criança, pode bem conquistar uma maior compreensão explícita da sua própria aprendizagem em termos metacognitivos e, ao ensinar um determinado tema, consolida a sua própria aprendizagem.

Bruner, 1963 (cit. Sutherland, 1996; Sousa, 1993; Fonseca, 1998; Cruz, 1999), sugeriu uma abordagem dinâmica. Desde o princípio que a crian­ça é activa na procura de regularidades no mundo, sendo o seu comportamento guiado pela prontidão activa de meios-fins e pela descoberta. Defende a aceleração do desenvolvimento das crianças com problemas de aprendizagem, apelando à relevância de brin­car e da linguagem. A criança deve ser incentivada a brincar com os objectos a fim de adquirir a compreensão. A linguagem deve ser suficientemente simples para a criança poder compreender, mas deverá simultaneamente, constituir um desafio intelectual. O ensino deve tomar em consideração a motivação dos alunos, a estruturação de conhecimentos, a optimização das sequências de aprendizagem e o reforço.

Ausubel, 1980 (cit. Sousa, 1993; Fonseca, 1998; Cruz, 1999), desenvolve a ideia de assimilação-aprendizagem de estruturas conceptuais. A acção educati­va deve visar o reconhecimento de conceitos iniciais relevantes já estabeleci­dos na mente do aluno e estabelecer as necessárias relações entre o que é ensinado e o que é conhecido. Defende que a acção do aluno é determinante na organização e estruturação do seu próprio conhecimento. Segundo Suther­land (1996), a principal proposição é que a criança forma a sua própria versão da realidade a partir das suas próprias experiências que lhe são peculiares. É esta forma que depois utiliza para lidar com qualquer experiência nova naquele campo. O processo de construção do seu próprio conhecimento é acti­vo, fá-lo formando novas relações entre as ideias que já possui e incorpora nes­tas novos dados de informações. Visto que a criança toma decisões por si própria, em vez de seguir os conselhos do professor, é difícil prever-se o que irá aprender. Apela ao professor para modificar a linguagem técnica do tema e apresentar aos alunos apenas aquilo com que eles podem lidar.

Haywood, 1992 (cit. Fonseca, 1998; Cruz, 1999), apresenta uma visão transaccional da inteligência. A natureza e o desenvolvimento da inteligência é transaccional. A eficácia para pensar e aprender é perspectivada como derivan­do de duas condições, ambas indispensáveis e que são a habilidade natural ou inata (de base genética), denominada "inteligência" e os processos (aprendido com base na inteligência) de percepção, aprendizagem, pensamento e resolu­ção de problema.

Feurstein, 1985 (cit. Fonseca, 1998; Cruz, 1999), desenvolve o conceito de modificabilidade cognitiva, defendendo que a inteligência pode ser melhorada em qualquer idade. O ser humano é modificável (adaptabilidade da espécie). A pessoa (criança, jovem, adulto, idoso) que se educa, forma ou treina, é modificável (papel da crença e do optimismo sobre o indivíduo). O ser humano na sua essência é capaz de produzir mudança (papel do sentimento de compe­tência). O mediador deve ser um agente de mudança (papel da intencionali­dade e do investimento motivacional). Todo o envolvimento social (família, es­cola, fábrica, empresa, etc.) pode ser modificado (papel da sociedade no des­envolvimento do indivíduo). Em sua opinião, pode-se aprender a ser inteligente, uma vez que admite que a inteligência não é inata. A mediação humana é es­sencial ao desenvolvimento da inteligência e da aprendizagem, o que nos reme­te para o papel central do professor como mediador e da aprendizagem e do desenvolvimento cognitivo.

2.2 - A psicologia cognitiva/processamento da informação

O processamento da informação incide sobre o processo de informação propriamente dito. A capacidade ampla para a memorização é um dos factores fundamentais no processamento da informação bem sucedido (Sutherland, 1996). Vejamos algumas referências teóricas:

Sternberg, 1993 (cit. Fonseca, 1998), desenvolve o conceito da teoria triárqui­ca da inteligência. Em termos de solução, nada há que seja extremamente bom ou extremamente mau, o que interessa é o perfil e o potencial dinâmico da inte­ligência, mais do que um quociente ou uma pontuação que sempre tendem a ocultar os aspectos que interessam considerar. A eficácia do autogoverno men­tal, isto é, da inteligência, é o produto de muitas componentes na medida em que, como complexidade que é, só poderá ser compreendida e avaliada a par­tir de múltiplas perspectivas. Sendo uma teoria da competência, é também uma teoria que salienta o contexto em que se realiza a aprendizagem. Para Sternberg, ser inteligente é poder processar as informações eficientemente. Seis factores envolvidos no processamento da informação constituem a inteligência: aptidão espacial (capacidade para visualizar um problema espacialmente com todos os pormenores); velocidade perceptiva (aptidão para assimilar rapidamente um novo campo visual ou perspectiva); raciocínio indutivo (aptidão para a generalização a partir das provas apresentadas); aptidão de compreensão verbal (aptidão para compreender novas palavras rapidamente); memória (aptidão para reter material visual no cérebro); aptidão numérica (aptidão para manipular números de acordo com determinadas regras).

Gardner (1995), desenvolve a teoria das múltiplas inteligências. Os seres huma­nos podem exibir a sua genialidade em várias inteligências humanas: musical/rítmica (mímica, ritmo, composição); corporal/cinestésica (desporto, dança, mecânica...); lógico-­matemática (cálculo, ciência, orçamentos...); verbal/linguística (literatura, poesia, co­municação...); visual/espacial (arte, escultura, decoração...); interpessoal (coo­peração, liderança, trabalho de grupo...); intrapessoal (imaginação, indepen­dência, privacidade...); naturalista (consciência do meio ambiente…).

2.3 - A neuropsicologica

Lúria, 1984 (cit. Fonseca, 1998), foi o grande propulsor do desenvolvimento neurológico. Todos os processos mentais como a percepção, a memória, a cognição ou a práxia, a linguagem ou o pensamento, bem como as aprendiza­gens simbólicas da leitura, da escrita ou da matemática, decorrem da organiza­ção funcional do cérebro, que envolve uma constelação de trabalho que integra três unidades complexas e hierarquizadas e de origem sócio-histórica: 1.ª uni­dade – atenção; 2.ª unidade – codificação/processamento; 3.ª unidade – planificação. É no desenvolvimento neurológico que se irá apoiar a abordagem desenvolvimental.

2.4 - Abordagem desenvolvimental

Morais (1996), desenvolve o conceito de inteligência e treino cognitivo. Mais con­troverso que a própria definição ou descrição da dimensão intelectual, parece ser a questão da sua educabilidade. Por um lado, equaciona-se esta questão contrapondo-se a possibilidade de treino cognitivo à hereditariedade da inteli­gência. Os autores desenvolvimentais apostam na credibilidade de ganhos con­seguidos a partir do confronto de pontos de vista diferentes (conflito cognitivo) e autores cognitivistas apontam competências metacognitivas ou o conhecimento previamente adquirido como elementos organizadores dessa persistência e transferência obtidos em situação de treino.


III – O desenvolvimento cognitivo e linguagem

Segundo vários autores (Lunzer, Dolan & Wilkinson, 1976; Aman­Gainotti e Cabale, 1980; Arlin, 1981; Filjakow, 1986; Tunmer, Herriman e Nes­dale, 1988), cit. Viana (1998), o desempenho em tarefas cognitivas básicas, de cariz lógico e analítico, como a classificação, a seriação e a conservação da quantidade evidenciam uma maior ou menor facilidade em aprender a ler. Para Sequeira (1989), cit. Viana (1998), também a capacidade de inclusão em clas­ses ajuda a criança a ver a parte e o todo em simultâneo, a relacionar a letra com a palavra, esta com a frase, e a frase com o texto. As capacidades de classificação, de relacionamento das partes com o todo, de descentração, seri­ação e ordenação seriam as mais importantes para a aprendizagem da leitura.

Estas capacidades cognitivas que, segundo Piaget, surgem no processo de transição desenvolvimental do estádio da inteligência pré-operatória para o das operações concretas têm dado origem a algumas directrizes educativas quanto à idade de início da escolaridade. Por exemplo, nos países nórdicos a tendência é para essa entrada apenas se efectuar aos 7 anos de idade, aspec­to que poderá ter efeitos positivos na taxa de sucesso na aprendizagem da leitura nesses países (Viana, 1998). Alley (1992), cit. Viana (1998), diz poder de­fender-se que as crianças que são iniciadas mais tarde avançam mais rapida­mente.

Na medida em que não podemos compreender as grandes diferenças individuais na leitu­ra/escrita sem compreendermos o desenvolvimento da linguagem na criança e dado que a linguagem é produto do funcionamento da mente humana, que rela­ção existe entre o desenvolvimento cognitivo e o desenvolvimento linguístico?

Segundo a teoria cognitivista, o desenvolvimento linguístico depende do desenvolvimento cognitivo. A linguagem é um instrumento do pensamento. Este, tem início antes do aparecimento da própria linguagem, ou seja, desde que a criança constrói representações internas do real. Quando o bebé imita uma acção, ele está a "pensar". No decurso do desenvolvimento da criança, o aparecimento da linguagem ocorre quando se inicia o aspecto figurativo das capacidades cognitivas, ou seja, quando se dá a emergência da função semió­tica, ou simbólica, o que permite representar o real através de significantes.

Para Benjamin Whorf (1956), cit. Sutherland (1996) e Sim-Sim (1998), o desenvolvimento cognitivo depende do desenvolvimento linguístico. A estrutura da linguagem que usamos determina a nossa estrutura de pensamento, ou seja, a linguagem dirige e limita a cognição. Assim, o real é experimentado e conhecido de forma diferente por falantes de línguas variadas. As vivências são interpretadas numa base linguística, sendo uma das formas de interpretação do real a classificação, para a qual contribui o processo de nomeação. A estrutura específica (vocabulário e gramática) da língua materna dos falantes determina, no todo ou em grande parte, a perspectiva e o conhecimento que se tem do mundo. Para Worf, quanto maior for a riqueza lexical e a complexidade grama­tical atingida pelo sujeito, mais elevado se apresenta o respectivo desenvolvi­mento cognitivo.

Segundo Vygotsky (1979), cit. Sim-Sim (1998), o desenvolvimento cogni­tivo e o desenvolvimento linguístico têm origens diferentes e curvas separadas de desenvolvimento. O pensamento e a linguagem têm origem diferente, não havendo, portanto, uma relação primária de dependência entre a linguagem e o pensamento mas que, no decurso da evolução de ambos, se gera uma conexão que se modifica e desenvolve. Para o autor, a linguagem e o pensamento são dois círculos distintos que partilham um espaço comum de intercepção, o pen­samento verbal que, não englobando de forma alguma todas as formas de pensamento ou de linguagem, é determinante na formação dos conceitos. Com exclusão da referida área partilhada, a linguagem e o pensamento têm existên­cia autónoma. Aponta como exemplo do pensamento sem linguagem, a inteli­gência prática; como linguagem sem pensamento a recitação de cor, a imitação verbal e os comportamentos de discurso automático.

Segundo McShane (1991), cit. Sim-Sim (1998), o desenvolvimento lingu­ístico (ao nível da fono­logia, da sintaxe, da semântica e da pragmática) e cognitivo pode ser visto à luz do processamento da informação. Assim, o desenvolvimento cognitivo e linguístico poderá ser explicado através das mo­dificações (qualitativas e quantitativas) nos processos e estratégias de organizar e conservar a informação e do refinamento das estruturas disponíveis para discriminar, categorizar e recuperar a informação processada. A mente é um sistema que constrói e manipula símbolos, os quais, sendo caracterizações abstractas de como o cérebro representa a informação, são eles próprios pro­dutos da arquitectura mental. Por sua vez, a arquitectura mental resulta da or­ganização e actividade cerebral. O processamento da informação diz respeito ao estudo dos processos mentais que permitem receber, organizar, elaborar, reter e recuperar a informação. No sistema de processamento existem os com­ponentes que permitem a manipulação do input (atenção, discriminação e cate­gorização) e os componentes de armazenamento de representações (memória).

3.1 – A fonologia

O domínio dos sons da fala contempla dois grandes aspectos: a discriminação auditiva – capacidade de ouvir e reconhecer os diferen­tes sons da linguagem, no que respeita aos aspectos segmentais e prosódicos; e a articulação – produção de sons e cadeias de sons da fala e as suas carac­terísticas prosódicas, como variações de intensidade, de tom, de duração e ritmo da fala (Sim-Sim, 1998).

Segundo vários autores (Williams, 1984; Wagner & Torgesen, 1987; Adams, 1994), cit. Viana (1998), existe um valor preditivo e fortes correlações entre a consciência fonológica e a aprendizagem da leitura. Quando a capaci­dade de análise fonológica existe precocemente (antes do ensino formal), será um bom preditor da aprendizagem da leitura (Bradley & Bryant, 1985; Juel, 1988; Liberman, 1973; Tunmer & Nesdale, 1985), cit. Viana (1998). Estes da­dos parecem sugerir que, mais do que uma simples capacidade de segmentar palavras e sílabas no discurso, uma capacidade de análise fonológica facilitaria a aprendizagem da leitura. Mas, será possível desenvolver esta capacidade? Viana (1998) refere autores (Tornéus, 1984); Bradley & Bryant, 1983, 1985; Lundberg et at., 1988; Cun­ningham, 1990; Ball & Blachman, 1991) que, pelos estudos realizados, concluem que a consciência fonológica pode ser treinada, que possui um efeito facilitador no desenvolvimento inicial da leitura e que o efeito do treino é maior nas crian­ças que, à partida, possuem níveis de segmentação mais baixos.

Ler é o processo que nos permite extrair informação de material escrito, isto é, (re)construir o significado da mensagem que­ alguém codificou em sinais gráficos, enquanto escrever é traduzir uma mensagem oral em forma gráfica. O acesso à linguagem oral é universal e não carece de ensi­no, mas a mestria da escrita, pelo contrário, requer ser ensinada, não estando, por­tanto, ao alcance de todos. Dominar a vertente escrita da língua significa ser capaz de ler e de escrever. Qualquer que seja o método de iniciação à leitura, a criança terá que ser capaz de identificar unidades do discurso oral, localizar as fronteiras dessas unidades, segmentar palavras em sílabas e estas em fonemas a que, na escrita, vão corresponder grafemas. Por sua vez, compreender e produzir um texto escrito exige a capacidade de clarificar ambiguidades, manipular conscientemente as relações semânticas e o conhecimento sintáctico (Sim-Sim, 1998).

O primeiro passo com vista à consciencialização da fala é o reconheci­mento das unidades constituintes do produto verbal. Ao ouvir uma mensagem, o ouvinte não tem consciência das sílabas e dos sons que a integram; a cadeia de sons é automaticamente processada e o significado extraído. A rapidez de identificação de elementos (palavras, sílabas, fonemas) está directamente associada à facilidade de isolar unidades na cadeia falada, ou seja, de segmentar essa cadeia. Na hierarquia de identificação de segmentos, a criança começa por identificar e isolar palavras, depois sílabas e, finalmente, fonemas (Sim-Sim, 1998). Mais tarde, na escrita, as crianças dão primeiro atenção ao todo e só muito mais tarde às partes, não devendo apren­der a escrever primeiro as partes (letras) e depois construir o todo (linhas escritas), ou seja, a escrita inicial da criança deve consistir em linhas e garatujas e não em letras identificadas individualmente (Charles Temple e colaboradores (1988), cit. Hohmann & Weikart (1997).

A reconstrução silábica apresenta-se à criança como mais fácil do que o processo de segmentação. Já a segmentação fonémica aparece como um pro­cesso mais moroso e mais difícil. A identificação consciente do fonema prende­-se com o isolamento dos componentes da sílaba, e a dificuldade revelada nesta tarefa parece poder atribuir-se ao elevado nível de mecanização necessário ao processamento automático da linguagem oral. O acesso consciente ao fonema depende do treino e experiência neste domínio. O grande factor que parece influenciar a capacidade de isolar fonemas é a aprendizagem da leitura.

Há aspectos que precedem a aprendizagem da leitura como, por exem­plo, o gosto pela prática de rimas. Por volta dos três anos e meio é já possível a criança detectar a ocorrência de rimas e, por volta dos cinco anos, faz rimas com muita facilidade. Outros processos pedagógicos que conduzem à consci­ência lexical e silábica, determinantes para o sucesso na aprendizagem da leitu­ra, são a recitação de poesias e histórias em verso, os exercícios de segmenta­ção de frases em palavras e destas em sílabas, a identificação e manipulação de sílabas (por isolamento, omissão e acrescentamento) e a soletração silábica em voz alta.

3.2 – A sintaxe

Na mestria de qualquer língua as palavras são imprescindíveis mas o cerne da construção frásica assenta na organização das palavras entre si, a qual é regulada por um conjunto finito de regras que possibilita uma produção infinita de enunciados. O conhecimento sintáctico (domínio das regras e padrões que definem as condições de organi­zação e de combinação de palavras de modo a formarem frases) é apreendido via exposição e reflecte a capacidade da mente humana para descobrir regula­rizações e generalizar. O domínio das regras sintácticas não está ainda comple­tamente atingido no início da escolaridade básica (Sim-Sim, 1998).

A criança aprende primeiro a usar palavras para representar elementos de conteúdo (nomes, verbos, adjectivos e ad­vérbios) e depois começa a combinar palavras para representar conceitos rela­cionados. De seguida a criança começa a aprender novas formas linguísticas para indicar de forma mais precisa o significado do que pretende transmitir. Começam a aparecer morfemas gramaticais, ou seja, palavras de função (pre­posições, artigos, pronomes, conjunções, verbos auxiliares) e morfemas flexio­nais (flexão nominal bota/botas, menino/menina; flexão verbal: eu bebo/tu be­bes/nós bebemos; morfemas derivacionais: sufixos e prefixos) – (Amaral & Kay, 2000).

Durante a escolaridade, problemas de leitura radicam em problemas mais ou menos subtis de linguagem. Esta subtileza refere­-se justamente à forma como processamos linguisticamente a informação, salientando que a qualidade da base linguística sobre a qual se vão apoiar a per­cepção visual e auditiva, a memória, a integração dos estímulos visuoespaciais em sequências temporais, vai ditar o modo como a informação linguística é processada (Vellutino, 1987), cit. Viana (1998). Para este autor, os maus leitores apresentam défices de linguagem, essencialmente ao nível da organização sintáctica e do vocabulário. Para Lentin (1976), cit. Viana (1998), será um bom funcionamento de complexidades sintácticas que permite a transmissão articulada do raciocínio, e testemunham as características do sistema que permite este funcionamento. Se o funcionamento­ destas articulações sintácticas não se instala no momento oportuno (no decor­rer da etapa que se segue à dos primeiros enunciados completos), a linguagem desenvolve-se num ciclo vicioso, com frases justapostas e muito pouca subor­dinação. O vocabulário continua a aumentar, os progressos continuam, no que­ diz respeito à pronúncia e correcção gramatical, mas a estrutura da linguagem complica-se, os enunciados não se ramificam, a combinatória não se enriquece.

3.3 – A semântica

A criança aprende palavras emparelhando uma sequência fónica específica com um significado preciso. O significado da palavra só ganha existência na mente da criança falante de uma determinada língua, não no mundo dos objectos. A palavra é um símbolo que representa uma realidade e, como tal, simbólica a relação entre a palavra e a realidade a que se refere, quer ela seja­ o conceito ou apenas uma entidade desse conceito. Os rótulos lexicais são as etiquetas que colocamos aos conceitos, logo o domínio vocabular de qualquer falante será mais rico quanto mais amplo e variado for o conhecimento que possuir desses rótulos.

O conceito é o produto do agrupamento de objectos, acontecimentos, qualidades e ideias na base da se­melhança, ou seja, o conceito é uma forma de categorizar itens que partilham propriedades comuns e, por isso, se relacionam entre si. Portanto, o conceito­ diz respeito a representações mentais do real e é um produto da categorização. Categorização, é o processo através do qual o ser humano determina que enti­dades podem ser tratadas como equivalentes (Siegler, 1986), cit. Sim-Sim (1998).

A organização entre os conceitos é feita pela relação de inclusão, de­ uma forma hierárquica. Ou seja, pelo facto de todos os membros de uma classe serem membros de uma outra classe, não implica que todos os membros da­ segunda façam necessariamente parte da primeira. Por exemplo, qualquer rosa é uma rosa porque partilha atributos específicos da classe das rosas, no entan­to não é apenas uma rosa, é também uma flor, é um ser vivo, ou seja, pertence também a classes mais abrangentes. Ora, todas as rosas são flores, mas nem­ todas as flores são rosas. Compreender a hierarquia dos níveis de categoriza­ção é determinante para perceber o processo de desenvolvimento conceptual e­ da respectiva nomeação por parte das crianças. Sim-Sim (1998), refere três níveis de categorização, o nível básico, um­ mais geral (superordenação) e um mais específico (subordenação). É no nível básico que a criança adquire o conceito (p. exp.: bola). Posteriormente especifi­ca o conceito (p. exp,: bola de ping-pong) ou sobe na hierarquia categorizadora­ (p. exp.: brinquedo. Assim, quanto mais se sobe na hierarquia categorizadora, maior é o número de instâncias contempladas e menor a especificidade dessas­ instâncias.

Os agrupamentos são feitos, numa primeira fase, de forma meramente­ casual. A criança junta os que estão mais próximos, alega dois ou três que, por qualquer razão, lhe despertam a atenção e agrupa-os. Não há, de modo algum, uma selecção com base na semelhança. Numa segunda fase, a criança se1ec­ciona pares de objectos ligados entre si por nexos de acção, isola atributos e­ estabelece relações, o que é, sem dúvida, um grande passo no sentido da ge­neralização subjacente ao conceito.

A palavra é um signo linguístico, símbolo que representa a realidade. Representar, não sendo a realidade é, de algum modo, tornar presente o real, que pode ser representado de diversas forma (desenho, gesto, palavra). A palavra é a representação verbal da realidade. Chamar rosa a um determinado objecto é uma relação arbitrária. É por uma mera convenção arbi­trária que os falantes de uma determinada língua partilham uma palavra específica para se referirem a um determinado conceito ou entidade, neste caso, a rosa.

O signo linguístico toma, ao nível do significado, toda uma série de traços semânticos que constituem a sua denotação ou sentido próprio. Tomemos, por exemplo, a palavra “pai”. Cada traço semântico é adquirido um a um, em função da experiência de cada criança, do seu universo e dos contrastes que nele podemos descobrir. Cada um de nós descobriu que o “pai” vinha a casa com uma certa regularidade, que efectuava certas rotinas, tinha certos compor­tamentos connosco e com os outros membros da família especialmente a mãe, possuía certas características físicas, traços de personalidade. No entanto, se fôssemos, enquanto adultos, estudar o direito, aprenderíamos com certeza toda uma série de novos traços semânticos relativos à noção (tão experimentada por nós!) de pai, paternidade, p. exp., as suas obrigações de pai, as conotações ou­ não de “chefe de família”, os seus direitos, etc. (Rigolet, 2000). Portanto, a cri­ança acede ao significado da palavra através do contexto em que essa palavra ­é usada. No entanto, o contexto nem sempre é muito explícito e só a repetição dessa palavra em contextos diferentes permite o aperfeiçoamento do significa­do. Conhecer uma palavra implica conhecer o respectivo significado, ou seja, conhecer os respectivos atributos. Mas, será que a mesma palavra recebe a­ mesma interpretação de todos os que a usam? Há itens lexicais como “cão”, “dormir” e “sol” que nos oferecem consenso , mas já termos como “liberdade”, dão origem a diferença de opinião. Ou seja, quando adquirimos uma nova pa­lavra o seu significado é influenciado pelas vivências de cada um e é através de­ aproximações sucessivas que atingimos o seu significado.

Um dos princípios que parece reger a aquisição lexical é, segundo Clark (1987), cit. Sim-Sim (1998), o princípio de contraste, ou seja, qualquer diferença na forma gera diferença no significado. Assim, perante uma palavra nova, o falante reconhece-lhe um significado diferente das palavras conhecidas. Ao confrontar-se com sinónimos, a criança opta pelo vocábulo conhecido e rejeita o novo. Ainda pelo mesmo princípio, a criança inventa palavras para preencher lacunas lexicais (p. exp.: “uveira” para designar vinha, “biciclista” para ciclista). A aquisição de novos vocábulos ocorre durante a participação (activa ou passi­va) no curso normal da conversa. Utiliza vocábulos novos que posteriormente­ testa e/ou pergunta o seu significado.

Quando confrontada com um novo vocábulo, a criança contrapõe à informação lexica1 ouvida a informação perceptiva da situação, daí resultando, por vezes, dissonâncias que geram erros de nomeação. É o caso das generali­zações abusivas (ou sobregeneralizações). Assim, a criança faz uso de regularizações morfológicas (p. exp.: fazeu, funiles, pãos), atribui rótulos lexicais erra­dos (bola por lua, papa por colher, gato por vaca, dormir por descansar). A escolha de um determinado item não é aleatória na medida em que o referente a que corresponde o vocábulo escolhido partilha com a entidade (objecto ou situação) indevidamente nomeada alguma(s) propriedade(s). Quando, p. exp., chama bola à lua, a criança pode distinguir e identificar as duas entidades mas ­apresentar uma incapacidade para evocar a palavra correcta ou puro desco­nhecimento da mesma. Outro erro frequente é a subgeneralização (restrição de ­atribuição do significado), ou seja, é frequente a criança utilizar vocábulos ape­nas para designar um objecto ou uma situação particular e não para representar toda a classe. É o caso de quando uti1iza ão-ão para referir apenas o seu cão, popó apenas para o carro do pai ou a recusa em aceitar que a avó é mãe da mãe porque mãe há só a dela.

Para além do significado individual dos vocábulos, a criança começa a aperceber-se das redes de relação semântica que os liga, como, p. exp., que a mesma palavra pode ter significados diferentes (p. exp.: pata) ou que diferentes palavras podem significar essencialmente o mesmo (p .exp.: rapari­ga/menina) ou que conceitos opostos são expressos por antónimos (p. exp.: bonito/feio). À medida que a criança cresce, o significado das pa1avras vai sen­do reformulado. A compreensão de que o contexto linguístico em que o vocábu­lo surge pode modificar-lhe o significado é um dos aspectos tardios do desenvolvimento lexical. Também tardio, é o processo de definição de palavras (após o início do período escolar). A criança ao definir menciona atributos funcionais (relativamente à vaca, diz “dá leite”) ou perceptivos (“é branca e preta”), exemplificam, referem um ou outro traço de definição antes de, finalmente, atingirem a definição categorial (“é um animal”) ou categorial particularizada (“é um animal que nos dá o leite para bebermos”).

O desenvolvimento do significado das pa­lavras é um processo que se mantém ao longo da vida, não só através do au­mento de vocabulário, mas também pela compreensão cada vez maior do significado mais aprofundado, p. exp., o total significado da palavra “onda”só apa­rece quando a criança é capaz de integrar toda a informação sobre o fenómeno­ físico que a origina (Amaral & Kay, 2000).

3.4 – A pragmática

A comunicação é uma necessidade do ser humano que, programado para adquirir linguagem, acede à mestria linguística mediado pela interacção adulto/criança. A apropriação das regras de uso da língua é a base da competência comunicativa e o processo a ela conducente é gradual e progressivo.

Durante a idade escolar, a linguagem é um pode­roso instrumento para dar início, manter e controlar as interacções sociais (Chaulkley, 1982, cit. Sim-Sim, 1998). As capacidades e talentos comunicativos revelados pela criança em idade escolar permitem-lhe captar a atenção do adul­to de uma forma socialmente mais adequada, explorar eficazmente a fonte de assistência e recursos que o interlocutor representa, exprimir ternura, hostilida­de ou raiva de forma apropriada, liderar e obedecer, manifestar auto-estima e exibir sucessos, competir com os pares na narração de histórias e fazer de con­ta que é outra pessoa (White, 1975, cit. Sim-Sim, 1998).

A criança possui agora um maior controlo na permanência de um tópico e usa a alternância de turnos, não só para pedir, mas também para concordar, discordar, negociar, ameaçar e perguntar. Desenvolve-se ainda a capacidade para exprimir sarcasmo, para dizer piadas, para usar duplos sentidos e refina­-se a sedução através do uso de expressões de cortesia. Os diálogos entre co­legas, muito mais que quando se desenrola entre o adulto e a criança, vão pos­sibilitar certos tipos de trocas verbais.

Por volta dos oito/nove anos, mais consciente da necessidade de adequação ao contexto comunicativo, a criança começa a manifestar conhecimento da eficácia que o uso de formas indirectas encerra, nomeadamente a mentira e o pedido. Assim, ao produzir uma mentira, é já capaz de tomar em consideração as características do destinatário da mentira, as relações entre si e o destina­tário, bem como do contexto em que a mesma tem lugar. Com a aproximação da adolescência, surgem as chamadas mentiras altruístas com o objectivo de não magoar o outro, mesmo que para isso se lhe oculte a verdade dos factos. A produção deste tipo de mentiras exige uma grande capacidade de descentração cognitiva para abdicar da própria perspectiva, colocando-se no 1ugar do outro.

Desenvolve-se ainda nesta fase, e particularmente no início da adoles­cência, altura em que se reconhece a importância da dimensão delicadeza, a formulação de pedidos por via indirecta. Assim, a criança/jovem diz “Que quen­te que está aqui dentro”, “Seria capaz de...”, “Não se importa de...” para pedir para abrir uma janela. O domínio de aspectos mais subtis, que marcam registos de gentileza, e o reconhecimento de chaves contextuais de amabilidade pouco perceptíveis, demoram, contudo, muito tempo a consolidar. O reconhecimento do estatuto do interlocutor e a respectiva forma de tratamento, a não imposição do nosso ponto de vista, o espaço dado ao interlocutor para se manifestar, a simpatia e a subtileza de pedidos indirectos são subcomponentes a não des­prezar na aprendizagem da arte de conversar.

Nem toda a forma de transmitir ora1mente a informação se baseia no diá­logo. A narrativa é um exemplo. Saber contar uma história implica possuir a re­presentação cognitiva da organização interna dos elementos básicos da estru­tura narrativa. Qualquer história desenrola-se num cenário, aborda um tema e desenvo1ve um enredo onde têm lugar um ou mais conflitos para os quais são encontradas soluções. A descrição do cenário pressupõe a localização temporal e espacial da acção e a apresentação das personagens. Por sua vez, a história desenvolve-se em episódios articulados entre si. Na idade escolar a criança continua a desenvolver a sua capacidade de narrar acontecimentos, de inventar sequên­cias de acontecimentos de forma coerente ou de recontar histórias ouvidas.

IV – PNEP, um percurso para a modificabilidade cognitiva

4.1 – O trabalho em cooperação

Os modelos de organização da sala de aula, como o trabalho em cooperação, ao permitirem níveis mais elevados de interacção entre os alunos e entre professor e alunos, constituem-se como factores de aprendizagem e desenvolvimento e mobilizam importantes mecanismos de auto-regulação e hetero-regulação em que a linguagem desempenha um papel fundamental (Marchesi & Martins, 1998, cit. Morgado, 2004). Neste modelo, ao contrário de modelos de organização da sala de aula exclusivamente centrados na realização de trabalho individual, a comunicação centrada no professor passa a dar lugar à comunicação centrada na criança, instituindo-se um sistema de interacções entre os alunos. O professor passa a sugerir ao(s) grupo(s) de alunos problemas de resolução motivadora e, portanto, capazes de os interessar. Tal abordagem permite à criança exprimir-se, criar, explorar e construir. Ao ver-se confrontada com pontos de vista diferentes do seu, numa acção comum de vários indivíduos, exigindo a resolução de um conflito entre as diferentes centrações individuais, desenvolve a construção de novas interacções, desencadeando uma evolução das estruturas de pensamento de cada indivíduo para estruturas superiores, estruturas mais complexas, independentemente do estado inicial, (Perret-Clermont, 1995). É neste modelo de sala de aula, concebido como um sistema interactivo entre sujeitos, objectos e regras, que a criança adquire informações, as analisa, organiza e lhes dá sentido. Assim, o aluno tem acesso a múltiplas oportunidades para trocas verbais com colegas e professores, mobilizando as suas experiências anteriores e enriquecendo o seu desenvolvimento e o próprio processo de aprendizagem (Dean, 2000), cit. Morgado (2004). Ao fazê-lo, através de incessantes adaptações, ele próprio se transforma, o que lhe permite obter maior complexidade de pensamento (Dolle & Bellano, 1993).

Este trabalho em cooperação, além de pressupor que no final do trabalho os alunos avaliem a forma como o grupo funcionou e o grau de sucesso face aos objectivos, implica que se considerem alguns critérios (Putman, 1998), cit. Morgado (2004):

- Se verifique interdependência positiva, isto é, o desempenho do grupo depende de todos os elementos, atingindo-se o sucesso quando todos os elementos o conseguirem;

- Cada aluno se sinta responsável pela sua aprendizagem e pelo seu contributo para o desempenho do grupo;

- Os alunos interajam directamente entre si, ou seja, a interacção deverá ocorrer predominantemente entre alunos e não entre alunos e materiais;

- Os alunos adquiram competências de cooperação.

Johnson e Johnson (1989), cit. Morgado (2004), com base em estudos comparativos entre modelos de aprendizagem em cooperação e modelos de aprendizagem individual, afirmam que os alunos envolvidos em experiências de cooperação obtêm melhores resultados, aumentam a sua auto-estima e estabelecem melhores níveis de relacionamento com os pares. Segundo Wang et al. (1993) e Wang (1995), cit. Morgado (2004), o ensino em cooperação, baseado na interacção entre alunos e entre alunos e professor, permite de forma mais eficiente a introdução de mecanismos de ajustamento no processo de ensino/aprendizagem. Estudos realizados por Mortimore et al. (1988), cit. Morgado (2004), mostraram também que, quando se solicita aos alunos o envolvimento em tarefas realizadas de forma autónoma, menos dependente do professor, introduzem-se benefícios quer em termos cognitivos, quer ao nível do funcionamento sócio-afectivo. A utilização regular de dispositivos de cooperação estimula nos alunos o desenvolvimento de atitudes de interajuda e, ao mobilizar o recurso a padrões de interacção verbal, desenvolve competências de comunicação (Spillman, 1991), cit. Morgado (2004).

Webb & Vulliamy (1996), cit. Morgado (2004), enunciam também um conjunto de vantagens decorrentes da utilização regular de trabalho em cooperação:

- Em ambientes de cooperação, os alunos produzem mais ideias;

- Os alunos explicam, questionam e aprendem com os outros utilizando e desenvolvendo a linguagem e diferentes padrões de interacção;

- Em ambientes de cooperação, os alunos reconhecem mais facilmente o valor da sua própria experiência na aquisição e desenvolvimento de novos conhecimentos;

- Em ambientes de cooperação, os alunos desenvolvem mais confiança em si próprios como aprendizes;

- Em ambientes de cooperação, os alunos integram e apreendem mais facilmente os seus níveis de responsabilidade face ao grupo desenvolvendo simultaneamente processos de auto-regulação mais eficazes.

O trabalho em cooperação, para além do impacto positivo em termos de ensino/aprendizagem, parece também repercutir-se positivamente no âmbito do desenvolvimento pessoal e social dos alunos que actualmente se constitui como área importante da intervenção da escola. Neste contexto, de acordo com Harwood (1988), cit. Morgado (2004), poderemos afirmar que:

- Os modelos de trabalho cooperativo produzem efeitos positivos significativos nas relações entre alunos de diferentes contextos étnicos;

- Os modelos de trabalho cooperativo promovem de forma significativa atitudes e comportamentos de solidariedade;

- Os modelos de trabalho cooperativo protegem e aumentam a auto-estima e confiança;

- Os modelos de trabalho cooperativo promovem mais eficazmente nos alunos atitudes mais favoráveis à escola.

Segundo Bennett & Dunne (1992), cit. Morgado (2004), a aprendizagem em cooperação parece assumir efeitos positivos a prazo que importa ponderar e dos quais se destacam:

- Promoção e desenvolvimento de competências no âmbito das relações interpessoais envolvendo, por exemplo, valores e atitudes de colaboração, gestão de problemas interpessoais, gestão do trabalho de grupos, etc.;

- Promoção e desenvolvimento de competências importantes no desempenho profissional como criatividade, produtividade, facilidade na integração de diferentes saberes, capacidade de comunicação, etc.

O trabalho em cooperação assume ainda a vantagem de permitir ao professor uma gestão mais flexível do seu trabalho na medida em que cada aluno tenderá a solicitar o seu apoio quando no grupo não consegue encontrar ajuda para eventuais dúvidas ou dificuldades. Parece interessante a referência de Bennett & Dunne (1992), cit. Morgado (2004), ao afirmarem que os alunos desempenhando as tarefas de aprendizagem segundo modelos de trabalho em cooperação demonstram um maior envolvimento no seu trabalho, aumentando em 22% as trocas verbais directamente relacionadas com a tarefa. Para conseguirmos o maior benefício possível deste modelo de trabalho, deverão ser considerados os seguintes princípios (Schniedewind & Davidson, 2000, cit. Morgado, 2004):

- Diferenciar as tarefas por complexidade e quantidade;

- Utilizar o trabalho de alunos mais competentes em grupos cooperativos;

- Utilizar o trabalho em cooperação para apoiar e estimular o esforço individual;

- Utilizar o modelo de tutoria de forma estimulante para tutores e tutorados;

- Utilizar actividades de aprendizagem que solicitem diferentes competências dos alunos;

- Diferenciar e explicitar os critérios de sucesso;

- Valorizar a aprendizagem cognitiva, social e emocional.

Quando consideramos como critério o nível de cooperação potencialmente presente em diferentes formas de organização do trabalho dos alunos, é possível padronizar algumas situações mais frequentemente utilizadas (Dean, 2000, cit. Morgado, 2004):

- Os alunos estão dispostos em grupo realizando tarefas individuais – nesta situação, observada com frequência, as tarefas não exigem cooperação, mas os alunos podem ser envolvidos numa discussão alargada gerida e apoiada pelo professor;

- Os alunos trabalham individualmente em aspectos particulares de uma tarefa, contribuindo para um produto do grupo, por exemplo, a construção de um texto - nesta situação parece constatar-se um nível de cooperação mais significativo;

- Os alunos trabalham em conjunto numa tarefa ou produto comum ou na discussão conjunta de um tópico - esta situação será, provavelmente, a que apresentará melhores níveis de cooperação;

- Trabalho a par - existem muitas situações em que o trabalho a par será um recurso interessante e com grandes possibi1idadesde de ser bem-sucedido. Os pares podem trabalhar conjuntamente em tarefas e problemas ou desenvolver modelos de tutoria. O trabalho a par pode ser uma boa abordagem e iniciação ao trabalho de grupo em cooperação. O trabalho a par potencia formas de auto e heteroregulação de importância central nos processos de desenvolvimento e aprendizagem.

Finalmente, o modelo de trabalho individual também pode apresentar alguns aspectos positivos, desde que utilizado em situações do seguinte tipo (Dean, 2000, cit. Morgado, 2004):

- Trabalho oral e escrito em que se visa a expressão de opiniões e a capacidade de argumentação, sendo que a resposta pode ser elaborada ao nível de cada aluno e expressa num contexto de grupo;

- Língua materna ou matemática, por exemplo, quando certos conceitos e competências básicas necessitam de prática e reforço numa primeira fase de aprendizagem;

- Apresentação, lançamento e motivação para um projecto temático bem como para a sua finalização e apresentação;

- Tempos de leitura, actividades de expressão, etc.

4.2 – Estratégias cognitivas

Durante o processo de aprendizagem, a aluno elege e utiliza sequências integradas de procedimentos ou actividades de nível superior que facilitam a aquisição, manipulação, integração, armazenamento e evocação da informação nas diferentes situações e contextos. Estes procedimentos, ou estratégias cognitivas e metacognitivas, são acções de carácter intencional, da iniciativa do aluno, por si planeadas, permitindo tomar decisões adequadas, no momento oportuno, em relação à aprendizagem. Poderão ser agrupadas de acordo com os processos da atenção, aquisição, personalização, recuperação, transferência e avaliação (Beltrán, 1998):

Atenção

Podemos diferenciar várias modalidades de atenção: selectiva ou focalizada, que consiste na capacidade de uma boa concentração numa única fonte de informação ou tarefa e excluir as outras que podem interferir; estado de alerta, quando temos que actuar perante várias fontes de informação ao mesmo tempo; manutenção da atenção, que consiste numa capacidade ou habilidade para manter o foco de atenção em estímulos durante um determinado período de tempo. As estratégias de atenção utilizadas determinam não só a informação que chegará à memória, mas também o tipo de informação. Trata-se, fundamentalmente, de uma atenção selectiva que separa o material informativo relevante do material irrelevante. Assim, a atenção não consiste unicamente em atender à tarefa e evitar as distracções, mas também em atender selectivamente a certos estímulos e ignorar outros. Para usar adequadamente as estratégias de atenção, o aluno deverá (Crespo & Carbonero, 1998):

- Tomar consciência do que já sabe e do que ainda não sabe;

- Tomar consciência do que exige a tarefa para atender ao que é relevante e recordar;

- Estabelecer uma hierarquia, segundo a sua importância, dos distintos elementos do contexto para poder fixar-se no essencial;

- Utilizar estratégias cognitivas para distribuir o esforço e a atenção segundo a importância dos dados informativos.

Aquisição de conhecimentos

O Sistema Nervoso Central processa a informação através de símbolos, os quais representam experiências e servem para codificar, armazenar e recuperar a informação correspondente. Uma boa compreensão pressupõe a capacidade de representar o mesmo problema de diferentes maneiras e não apenas uma única e rígida representação (Bernad, 2000), e pressupõe as seguintes estratégias:

- A selecção. Tem como função principal seleccionar a informação mais relevante no contexto concreto e específico com a finalidade de facilitar o pensamento. Como técnicas para activar a melhor estratégia de selecção, usa o sublinhar, anotar, resumir, fazer esquemas e registo da ideia principal (Hermández & García, 1991);

- A organização. Consiste em combinar os elementos informativos seleccionados num todo coerente e significativo e aplica-se para estabelecer explicitamente conexões internas entre os elementos que compõem a aprendizagem. Como técnicas, podem ser usados agrupamentos (resumos, esquemas, sequências lógicas – causa/efeito, problema/solução, comparação/contraste), sequências temporais, mapas conceptuais e diagramas (Román & Gallego, 1994);

- A elaboração. Relaciona e integra a nova informação com a informação já armazenada na memória. Tem a ver com a construção de conexões externas entre a nova informação organizada e o conhecimento prévio existente. Esta estratégia pode realizar-se através das seguintes técnicas: estabelecimento de relações entre os conteúdos de um texto, entre estes e o que já se sabe; construindo imagens visuais a partir da informação; elaborando metáforas ou analogias a partir do assunto estudado; procurando aplicações possíveis dos conteúdos aprendidos; questionando-se e cujas respostas tenderiam a colocar a síntese, inferência ou conclusões dum texto; expressar as ideias do autor por outras palavras (Román & Gallego, 1994);

- A repetição. Consiste em pronunciar, nomear ou dizer de forma repetida os estímulos apresentados numa tarefa de aprendizagem. Trata-se de um mecanismo de memória que activa os dados de informação para os manter na memória a curto prazo e, por sua vez, transferi-los para a memória a longo prazo (Beltrán, 1998);

Personalização e controlo

O aluno adquire conhecimentos para além da informação directamente recebida, inferindo conclusões a partir de outros conhecimentos gerais ou partindo de conhecimentos particulares. Ele assume, de forma personalizada, criativa e crítica, a aprendizagem de novos conhecimentos obtidos e explora novos limites à margem do estabelecido ou convencional. Algumas estratégias a desenvolver (Bernad (2000):

- Tratar de estar bem informado;

- Analisar de forma clara e precisa a informação;

- Manter uma atitude intelectual aberta;

- Controlar a impulsividade;

- Manter uma atitude crítica perante os acontecimentos.

Recuperação

Um dos factores que explicam a conduta do indivíduo é a informação processada. O sistema cognitivo do indivíduo necessita de recordar o conhecimento armazenado na memória a longo prazo, tornando-o acessível quando o revê e recupera através de estratégias, utilizando descrições relacionadas com os dados armazenados mediante a procura autónoma, dirigida, evocada ou de raciocínio. Duas estratégias favorecem esta evocação (Román & Gallego, 1994):

- O sistema de busca. É essencialmente condicionada pela organização dos conhecimentos na memória, resultante de estratégias de codificação. Ele retoma e transporta a representação conceptual em condutas, os pensamentos em acção e linguagem. Usa como suporte as técnicas de mnemónicas, metáforas, mapas, sequências, palavra-chave, conjuntos ou estados;

- A generalização de respostas. Garante a adaptação a situações novas e pode verificar-se pela planificação de respostas ou pela resposta escrita. A planificação de respostas usa como técnicas a livre associação ou a ordenação dos conceitos evocados por livre associação, enquanto a resposta escrita utiliza técnicas de escrita ou execução (fazer, aplicar, transferir).

Transferência

O aluno transfere, abstrai ou generaliza os conhecimentos adquiridos a contextos, estímulos ou situações novas. Esta é a essência da verdadeira aprendizagem, já que esta não é válida enquanto o indivíduo não for capaz de aplicar a uma ampla rede de situações distantes a situação original. O grau de abstracção, distância entre os dados imediatos e a generalização que o indivíduo faz dos mesmos numa determinada tarefa, pressupõe a forma de representarmos mentalmente a informação, bem como o tipo de raciocínio lógico implicado no processamento de dados previamente representados (Bernad, 2000).

Avaliação

A avaliação consiste na comprovação do grau em que o aluno consegui os objectivos previstos. Se o feedback informativo que lhe chega lhe é positivo, fortalece-o e reforça-o, o que faz desenvolver a sua motivação e autoconceito. Este processo de avaliação tem duas características: justificar ou gratificar pelos resultados conseguidos; informar, o que faz com que se possa ou não confirmar os objectivos conseguidos. Contribuem com estratégias da avaliação (Bernad, 2000):

- A avaliação inicial dos processos e conteúdos;

- A avaliação formativa dos processos e conteúdos;

- A avaliação sumativa dos processos e conteúdos;

4.3 – Estratégias metacognitivas

Outras estratégias – metacognitivas – são formadas por procedimentos de auto-regulação que tornam possível o acesso consciente às habilidades cognitivas usadas para processar a informação. A nível do auto-conhecimento, usa técnicas do género: que fazer? (conhecimento declarativo); como fazer? (conhecimento procedimental); quando e porquê fazer? (conhecimento condicional). Ou seja, o importante para o aluno é: saber quando utilizar uma estratégia; seleccionar a estratégia adequada em cada momento; comprovar a eficácia da estratégia utilizada. A nível do auto-controlo, os processos de compreensão requerem: estabelecer metas de aprendizagem ou planificação; avaliar o grau de consecução ou avaliação; rectificar, caso não consiga, os objectivos propostos ou regulação (Román & Gallego, 1994).

Metacognição está, portanto, relacionado com a consciência que o aluno tem do exercício cognitivo e da capacidade para alterar a sua conduta, em duas dimensões: o conhecimento (Flavell, 1987) e a regulação (Justicia, 1996):

Conhecimento

Os aspectos relevantes implicados na execução da tarefa relacionam-se com a qualidade das respostas do aluno (o que vulgarmente se denomina conhecimentos e que coincide com o que normalmente o professor assinala para atribuir uma classificação ao aluno) e que se consubstancia nas seguintes técnicas (Bernad, 2000): hipóteses utilizadas na execução da tarefa ou nível de congruência durante a actividade do aluno; partes realizadas com correcção, ou seja, os acertos de imediato, sem necessidades de recorrer à sua rectificação; lacunas típicas, ausências, omissões ou silêncios mais característicos do aluno sobre aspectos relacionados com o tema; dúvidas típicas. O conhecimento implica tomar consciência de três variáveis: a pessoa; a tarefa; a estratégia (Flavell, 1987):

- A variável pessoal. Inclui o conhecimento e convicção de que se é único como processador cognitivo: que capacidades se possui ou não, que factos se conhecem e quais os que se ignoram, de que forma se produz melhor. O conhecer as nossas próprias características de aprendizagem ajuda-nos a determinar o que devemos fazer para conseguirmos uma tarefa e que tipo de recursos é conveniente utilizarmos (tempo, esforço, ajuda de alguém);

- A tarefa. Pressupõe ter consciência do que se pede na actividade académica, ou seja, dos objectivos que se pretendem com ela. Ter consciência da sua amplitude, do nível de dificuldade, das semelhanças com as actividades realizadas anteriormente, do tipo de processamento cognitivo e dos recursos que requerem;

- A estratégia. Inclui o conhecimento de estratégias que ajudam a resolver a tarefa. Assim, pode entender-se a consciência (conhecimento) metacognitiva como um processo de utilização do pensamento reflexivo para desenvolver a consciência e conhecimento sobre a tarefa e as estratégias num contexto determinado.

Regulação

A metacognição, ao intervir na regulação e controlo da actividade cognitiva, faz a optimização dos recursos disponíveis, ou seja, procura o melhor método de utilizar e pôr em acção as habilidades que o indivíduo já domina. As actividades de regulação da cognição e da aprendizagem podem realizar-se antes, durante e depois da realização da tarefa. As actividades de planificação situam-se antes do começo das actividades. Durante a realização das tarefas, produz-se o controlo e direcção da cognição. Depois da realização das mesmas é levada a efeito a avaliação dos resultados. Cada um dos três processos (planificação, controlo e avaliação) não entra em acção isoladamente, mas interage com os outros dois (Justicia, 1996):

- A planificação. Existe um carácter intencional que implica um plano de acção. As actividades de planificação realizam-se prioritariamente antes do começo das actividades e ajudam o aluno a determinar que direcção deve seguir na aprendizagem e que uso deve fazer das diferentes estratégias. Podem ainda contribuir para que sejam activados conhecimentos anteriores relevantes para a compreensão e assimilação da nova informação. É necessário realizar uma análise da tarefa que permita dar início às actividades de planificação como, por exp., a subdivisão da tarefa, a calendarização, a escolha dos recursos necessários para a sua realização, a selecção de estratégias, a planificação de perguntas e hipóteses, etc.;

- O controlo. A direcção e supervisão do processo de aprendizagem é produzido durante a realização das tarefas para comprovar se está a ser conseguido o plano estabelecido e se estão a ser utilizadas de forma adequada as estratégias seleccionadas. Verificam-se ainda os resultados e avalia-se o grau de consecução das metas para ver se é necessário introduzir modificações nas estratégias, nos objectivos ou na planificação. Nas actividades de controlo estão a confirmação de que se sabe em que consiste a tarefa a realizar, a manutenção da atenção enquanto se lê, o dar auto-instruções, a formulação de perguntas para assegurar que se está a compreender os dados, o controlo do tempo e da velocidade de realização da actividade, etc.;

- A avaliação. Através dos resultados obtidos, comprova-se se foram alcançados os objectivos, o grau de eficácia das estratégias usadas, os recursos, etc. Esta auto-avaliação contribui para aumentar o conhecimento que o aluno tem de si mesmo, das tarefas e das estratégias. Assim, os alunos podem aprender muito das actividades de aprendizagem, já que os resultados proporcionam um feedback informativo que pode indicar a necessidade de uma mudança de estratégia em momentos futuros. O êxito ou o fracasso numa tarefa não deveria ter unicamente consequências afectivas para o aluno, mas converter-se em fonte de informação real das variáveis da pessoa, tarefa e estratégia. Seria uma verdadeira avaliação informativa e contribuiria para melhorar o conhecimento e controlo metacognitivo do aluno.

4.4 – Actividades e procedimentos na sala de aula

O Programa Nacional do Ensino do Português (PNEP), através de textos de referência científica actualizada e organização de brochuras, vem propor a implementação de actividades e procedimentos na sala de aula capazes de provocar verdadeiras coordenações interindividuais que sejam fonte de desenvolvimento cognitivo da criança. Numa escola onde a diversidade e da heterogeneidade dos alunos é uma constante, tal modelo constitui um desafio para todos os profissionais de educação.

Atribui à criança o papel central no processo de ensino/aprendizagem, colocando a ênfase no oral como ponto fulcral do desenvolvimento da linguagem (oral e escrita) e desenvolvendo as seguintes temáticas:

- O desenvolvimento da linguagem e educação linguística, perspectiva filogenética e ontogenética da escrita (Baptista, 2007);

- A importância da literatura para a infância e a compreensão leitora (Gomes, 2007);

- Os meios e os materiais de ensino (Ramos & Teles, 2007);

- O oral como objecto de estudo, a pedagogia e a avaliação da escrita (Sousa, 2007);

- O conhecimento lexical como factor de sucesso na aprendizagem da leitura e da escrita (Duarte, 2007);

- O ensino da produção de textos (Barbeiro & Pereira, 2007), incidindo nas competências gráfica (competência relativa à capacidade de inscrever num suporte material os sinais em que assenta a representação escrita), ortográfica (competência relativa às exigências que estabelecem a representação escrita das palavras da língua) e compositiva (competência relativa à forma de combinar expressões linguísticas para formar um texto);

- O ensino da compreensão de textos, nomeadamente o percurso que o aluno faz desde a decifração à compreensão do texto e quais as estratégias de ensino explícito para desenvolver a fluência da leitura (Sim-Sim, 2007);

- A avaliação da leitura, particularmente os conceitos em torno da avaliação de leitura, os seus instrumentos e processos. Analisa as várias modalidades de avaliação de leitura, em função dos objectivos, bem como as potencialidades e limitações das diferentes modalidades em função dos objectivos (Viana, 2007).

Numa interacção comum entre pares e resolvendo conflitos entre as diferentes centrações, a criança é capaz de adquirir informações que trata e organiza para lhes dar sentido, como acontece quando, p. exp., centrada na problemática do tema A Ponte, participa na construção das actividades de “diário de um descobridor de palavras” e “construir um mapa semântico a partir do texto”, que posteriormente são usadas de forma individualizada e em intercâmbio de grupos:



Actividade: diário de um descobridor de palavras (EB1 Maximinos, 3º ano, turma 27 - Ano 2006/07)

Actividade: construir um mapa semântico a partir do texto “A Ponte” (EB1 Maximinos, 3º ano, turma 27 - Ano 2006/07)

Conclusão

A aprendizagem é a constru­ção pessoal de um processo experimental, interior à pessoa, e que se traduz por uma modificação de comportamento estável. As abordagens cognitivistas, como a teoria do processamento da informação, e construtivistas de cariz desenvolvimental, explicitaram um conceito dinâmico de aprendizagem comparativamente à do conceito que apresentava a aprendiza­gem como aquisição de informação ou mesmo aprendizagem como aquisição de conhecimentos. Nos processos de ensino/aprendizagem, os indivíduos não poderão, de forma alguma, refugiar-se em atitudes passivas ou puramente reprodutivas dos modelos de uma ciência tradicional estática, de memorização, mas deverão colocar-se numa atitude investigativa, crítica, ar­gumentativa e criativa. Aprender não pode ser apenas adquirir, guardar, na memória de curta ou de longa duração, certezas, verdades absolutas, mas in­terrogar e realidade existente.

A sociedade do futuro, uma sociedade cada vez mais virada para a aprendizagem, para as tecnologias de informação e para a acelerada divul­gação de conhecimentos científicos, não pode limitar-se a uma escola baseada na transmissão directa e pura de conteúdos e de soluções especí­ficas, mas deverá orientar-se para o desenvolvimento do indivíduo em todas as suas manifestações, para o acesso à cultura geral e, neste sentido, a educabilidade cognitiva é uma abordagem extremamente potente para atingir estes objectivos de forma integrada, na medida em que fornece as ferramentas, as destrezas e as competências cognitivas fundamentais de processamento de informação e de interpretação da realidade, necessárias para as aprendizagens posteriores.

Estudos científicos desenvolvidos nas últimas décadas, apontam razões para se pensar que muitos proble­mas de aprendizagem deverão ser encontrados no desenvolvimento cognitivo da criança e sua interacção com o meio envolvente, deno­tando uma enorme necessidade de intervenção ao nível da actuação pe­dagógica. Tor­na-se imperioso que o educador/professor conheça, compreenda e respeite os mecanismos de aprendizagem dos seus educandos. Ao adequarem-se os mé­todos de ensino aos mecanismos de aprendizagem, estaremos, eventualmente, a dar um passo fundamental na individualização real e efectiva do ensino, na consciência clara de que o aluno é um ser pleno, livre e autónomo, que exige da parte do educador/professor o conhecimento e respeito do seu processo individual de aprendizagem. É no período dos 6-7 anos aos 10-11 anos, estádio da inteligência operatória concreta segundo Piaget, que a criança se relaciona com o mundo não apenas por meio de acções sensoriais e motoras, não só por meio de acções mentais executadas de forma unidireccional ou irre­versível, mas também por intermédio de acções mentais que vão além da in­formação dada em termos perceptivos. Operações, porque são acções interiori­zadas, reversíveis e que comportam leis de totalidade. Concretas, porque em­bora executadas a um nível interno ou mental, aplicam-se a conteúdos concre­tos.

O Programa Nacional do Ensino do Português, propõe uma nova abordagem do ensino/aprendizagem da linguagem (oral e escrita) capaz de proporcionar aos alunos um desenvolvi­mento cognitivo e, portanto, um aumento do seu potencial de aprendizagem, através de metodologias activas e assentes na manipulação de materiais e objectos, aplicando métodos de descoberta e através confronto de pontos de vista diferentes. As actividades e procedimentos são desenvolvidos em cooperação, fazendo uso de estratégias cognitivas e colocando a linguagem da criança como fundamental de todo o processo de ensino/aprendizagem.

Este programa é um desafio aos professores/educadores e reúne, cremos nós, as condições necessárias à modificabilidade cognitiva das crianças do 1º ciclo. Será um virar da página nos resultados escolares do sistema educativo português.

(*) Professor de Educação Especial, no Agrupamento de Escolas de Oeste da Colina.

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